sábado, 11 de outubro de 2008

Água de beber, água de beber camará

Água de beber, de tomar banho, de escovar os dentes, de dar descarga, de lavar cozinha, louça, carro, cachorro...

Água! Duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio. O milagre da vida, 70% da constituição física do corpo humano, habitat de inúmeráveis espécies de rios, lagos, e mares, ponto crítico da produção agrícola...

Pois é, planta quase sempre morre de sede; sertanejo morre da sede das plantas.

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Querem transpor o Rio São Francisco, para levar água para os caboclos do sertão*.
(* levar água para os caboclos do sertão = apoiar os latifundiários que exploram o trabalho dos cablocos.) Veja pelo lado positivo, os caboclos terão água para beber enquanto trabalham em regime de semi-escravidão para seus senhores.
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Dois amigos me pediram a mesma informação hoje. Por isso escrevo este texto.

Nos ambientes rurais, a água é sempre um limitante para a ocupação humana: sem um córrego acessível, a plantação depende da chuva ou da instalação de sistema de irrigação. Se o clima não favorecer, tá tudo perdido.
O gado também precisa de água. No assentamento Carlos Lamarca, onde trabalhei, logo após a regularização fundiária foi feito um projeto de pecuária leiteira. As vacas chegaram antes da instalação hidráulica. A maioria morreu de sede no primeiro ano.

Para o habitante urbano, água nasce na torneira, se contamina em casa, e morre no ralo ou na privada.

Cagar na água é uma cagada!
Animal terrestre nenhum anda até o rio para cagar em cima da água que ele bebe. Cocô e xixi se fazem na terra, água se bebe no rio. O cocô é nutriente, mas se no solo vira adubo, no rio é poluente. Mas hoje a descarga é o natural, e se "justifica" pela melhora na questão do saneamento.
Melhora para quem tem saneamento, mas pra quem vive na beira de rio...


Banheiro na comunidade Monte Sinai - Amanã
À noite tinha muita barata lá dentro. Mas este não é um modelo de permacultura, é uma fossa comum.

(Cagar de cócoras melhora o peristaltismo, pressiona o abdomem e facilita a passagem das fezes. Suja menos a bunda, e inviabiliza a leitura de banheiro, vilã das hemorróidas)

Eu cagaria na terra, mas concordo que é utópico para as próximas 2 gerações imaginar as pessoas trocando um vaso sanitário em que o cocô vai embora no redemoinho da descarga, por um banheiro seco, em que se caga em cima do cocô do outro, e joga-se serragem em cima pra tirar a umidade, e não dar nem mal cheiro nem mosca.



Banheiro do trem "Grán Capitán", Argentina. O resto metabólico cai direto nos trilhs. Cuidado ao andar nu trilho de trem!

Privada argentina - o cocô não bate na água, sem risco de espirrar.
Este modelo antigo tem incluída uma ducha higiênica interna (calma, ela vai para o lado, você não precisa cagar em cima dela)



Ah é, este cocô nada mais é do que nutriente e matéria orgânica que podem ser reincorporados ao solo se bem tratados, e acabar com a necessidade de fertilizantes de multinacionais preocupadas com o meio ambiente.
Por sinal, você conhece o programa Monsanto Ambiental?

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Fora a questão da água esmerdeada, os ambientes urbanos sofrem hoje ao ciclo ao revés: a água que brota do chão onde não deve brotar - ENCHENTES.

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A história do desenvolvimento foi assim: um dia resolveram que a o solo, casa das plantas, dos alimentos, dos recursos necessários para se viver não era adequado. As roupas ficavam muito sujas, e os sapatos recém engraxados não estavam lustrosos.
Pensaram assim "oh, que ruim esse pó, vamos colocar algo que isole essa coisa de barro do mundo superior em que habitamos".
Começaram a pegar as montanhas (afinal, só servem para se cansar subindo) e colocaram pedaços destruídos separando o solo do mundo humano da superfície.
Mas isso não aconteceu em todos os lugares, apenas nas cidades, espaços em que o solo não servia mais para nada, já que o alimento vinha de fora, da terra sem piso.

Essas cidades foram crescendo, as montanhas diminuindo, e não tinha mais pedra para tapar o pó. Descobre-se o petróleo e seus derivados.

As novas cidades começaram a usar um produto novo - o asfalto. Derivado da biomassa antepassada, este não permitia mais nada de pó! Não cresciam mais plantinhas por entre os vãos das pedras, o isolamento do mundo da terra suja estava aos poucos se completando.
As ruas mais antigas, de paralelepípedos eram vistas como antiquadas; fora do seu tempo, uma ofensa ao desenvolvimento do lugar. Além de chacoalhar demais os véiculos de 4 rodas de borracha, que começam a ocupar as ruas e tranformá-las em campos de guerra.

Sem terra, as árvores começam a ser vistas como intrusas no ambiente urbano. Falta lugar para elas, e um genocídio em massa se inicia.
Hoje elas são protegidas, e dá multa tombar uma sem autorização (ao menos na lei, é assim).

Mas o fato é que não sobrou terra na cidade.
Ela se esconde nos vasinhos, nos canteiros de grama, na poeira que chega voando, e rapidamente amontoada com a vassoura, recolhida pela pá, e mandada para bem longe, onde não se possa ver.

E a água?
A água ficou proibida de circular. Mataram o ciclo da água. Morreu.
Ela cai do céu, e não mais encontra um caminho selvagem, de diversas camadas do solo, estratos subterrâneos para atravessar, e atingir o lençol freático.
Puseram uma camisinha no ciclo da água, o asfalto.

O piscinão não é de Ramos, o bacião é a cidade. A água não passa, e fica retida nessa superfície. A bacia vai encher, e os bairros alagar!
E aí, vamos quebrar tudo?
Acho que não dá (apesar de ter certeza que isso vai rolar em algumas centenas de anos).
Alguma coisa pode ser feita.
Uma delas (por exemplo) é parar de tirar água da calha do rio ou parar de fazer represas que garantem a água da galera.
Como fazer isso?
Guardando essa água que cai do céu e não tem pra onde ir!
Cisternas e outros métodos de captação de água de chuva.
Baratos, e de simples instalação se previstos num projeto (uma reforma é possível, mas um pouco mais trabalhosa), eles dão autonomia e economia financeira às residências, além de reduzirem a pressão sobre recursos hídricos urbanos, quase sempre escassos e poluídos.

A água é limpa (salvo às partículas em suspensão no ar), sem a necessidade de quilos de substâncias químicas, e a manutenção de uma rede de abastecimento que sempre tem vazamento (grande despedício) e onde a água pode voltar a se contaminar antes de chegar à sua torneira.

Mas isso aí que eu estou falando é tão óbvio, que já tem "trocentas" indústrias vendendo equipamentos domésticos, outras "trocentas" trabalhando a nível industrial, e até mesmo a Associação Brasileira de Manejo e Captação de Água de Chuva.

E por que não implementar?

Isso é proposta do Gabeira para o Rio.

Sem falar que ter água potável gratuita é mais um passo na implementação de projetos de agricultura urbana.

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As trocentas indústrias e organizaçãoes que fazem e apóiam isso
Ecocasa
Ecossistemas
Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica
Ecocentro
IPEMA---
BANET
Acquabrasilis
MasterAmbiental

Receita Caseira
Viveiro de Idéias
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Retomando a questão da transposição, o caboclo que mora na beira do rio não tem acesso a essa água; não há rede hidráulica, muito menos tratamento.
Ele bebe e toma água de cacimba.
E no sertão, que se construam as cisternas!
Tem um projeto interessantíssimo, que conheci no Fórum Social Mundial de 2003: "1 milhão de cisternas" coordenado e gerido pela Articulação no Semi-Árido.

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Beba muita água! Ande sempre com uma garrafinha d´água. Encha-a sempre que tiver uma fonte de água potável. Esse é um hábito excelente, incorpore-o.
E é obrigatório para quando se está viajando.

5 comentários:

  1. Só passando para dizer que ontem de madrugada eu estava morrendo de sede e lembrei na hora dessa música linda. Corri baixá-la e fiquei escutando com saudades do Brasil.

    Água aqui é fuck! As pessoas bebem água da torneira e eu não consigo fazer isso, não existem bebedouros em nenhum lugar, nem na faculdade nem nos shoppings. Ou você se submete à cultura de "beber na bica" ou você começa a acreditar que a água é de fato um elemento completamente privatizado aqui.

    E o pior de tudo é que a água daqui é oleosa, não mata a sede. A única coisa que mata a sede aqui é chopp e chá gelado. Hoje comprei 5 litros de água por 36 centavos, e ao chegar em casa vi no rótulo que é uma água que vem da Espanha, e está indicado "água muito pouco mineralizada"... oh god!! Saudades imensas dos aquíferos guaranis.

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  2. Ah sim, era prá dizer que achei puta coincidência o assunto da água e a música que eu tinha lembrado ontem. Deve ser o sentimento brasileiro que levam à lógicas semelhantes de raciocínio musicado.

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  3. Só mais uma coisa: o que é água de cacimba?

    E puxa! Você acaba de me dar uma grande idéia. Vou improvisar uns baldes e beber água da chuva que cai aqui na sacada todos os fucking dias!! Nossa, fiquei tão feliz agora...

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  4. Eu iria agora em outubro, mas não deu. Agora não sei qdo vou, com essa crise, dolar alto...

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  5. Beleza!! Coloquei um trecho do texto no meu blog e um link pro seu.
    Gostei muito do texto. Adorei o ponto de vista histórico da coisa.

    Deixa eu te pedir um favor.
    Troca o link que vc pôs pro meu blog por esse aqui: "http://eschwarcz.sites.uol.com.br/index.html#Gabeira_fala_sobre_reuso_de_agua"

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